Engrenagens em busca do céu: um poema para nossa época

Engrenagens em busca do céu: um poema para nossa época

Estou em minha casa,

Será que é possível ver por algum espelho, além mim,

o lugar em que estou?

como estou?

 

Observo ao redor daquilo que suponho ser Eu:

Vejo objetos como livros, lembranças que ganhei de pessoas queridas,

instrumentos musicais, minhas cores favoritas em móveis e paredes,

aromas doces,

alguns pensamentos de obrigações a fazer, estes, produzem um ruído estridente.

É irritante, esse tipo de Vizinho que faz barulho desagradável!

Ainda bem que esses Vizinhos não são tantos assim…

 

Aprendi, morando no grande condomínio existencial,

com a experiência de alguns bons Vizinhos,

que os “vizinhos barulhentos” logo vão embora

se o restante da vizinhança não se alterar com os ruídos que eles produzem.

Sim, eles não suportariam morar num condomínio existencial de paz e tranquilidade por muito tempo.

 

Quando a vizinhança ruidosa parece me tirar a paz e o sossego,

fecho os olhos – para não ouvir –

e, imagino que há em minha frente

uma grande corda que pende das mãos de um anjo lá no alto,

eu me seguro nela, é a minha sustentação:

vou escalando e, à medida que subo, vou vendo a minha vida do alto – como se fosse um filme bonito,

passando lá embaixo

só as melhores cenas, tudo aquilo que realmente têm a ver comigo…

 

Então, imagino eu que estou subindo aos céus

Quando acordo deste delírio,

ouço uma harpa tocando. Seriam os anjos do paraíso?

Não, é um novo vizinho instrumentista que veio morar aqui por perto.

Fico ouvindo a melodia que vem pela janela, é linda!

E já nem ouço mais, aquele ruido irritante do Vizinho inconveniente. (Daqui uns dias, talvez me deem a notícia de que ele nem mora mais aqui).

A Vizinhança vai mudando em horizontalidades,

mas continuo morando nesta mesma casa, localizada no mesmo endereço existencial nas verticalidades.

 

Quando caminho pelas ruas do meu bairro existencial

noto determinados padrões muito mecânicos nas outras pessoas.

Às vezes, chego a ser incapaz de diferenciar uma máquina de um ser humano.

Eu também já cheguei a pensar, em algum momento da minha vida, que estava com algum defeito,

precisando substituir alguma peça dos meus tópicos,

pois meu potencial de máquina mecânica não estava funcionando direito.

Hoje, eu gosto de lembrar que existe uma humanidade que é a essência dos seres humanos.

 

É comovente ver máquinas humanas padecendo pelas ruas com terríveis dores existenciais.

A maioria está atrasada, sobrecarregada, sem tempo,

e na correria de seres-máquinas,

nem percebem a burocracia que há nas ruas:

As flores dos canteiros têm hora marcada para desabrochar,

Se adiantam ou atrasam, são punidas conforme prevê a legislação;

Os passarinhos só cantam  por dinheiro e quando há público,

nunca irá se ver um passarinho cantando “em vão”;

Até nos parques, os pedestres devem transitar sempre no mesmo sentido, a fim de evitar acidentes de trânsito…

 

A palavra Liberdade foi extinta do vocabulário, caiu em desuso há tempos

e ninguém nunca soube explicar direito o que era.

Em seu lugar, outras novas passaram a integrar o dicionário,

por exemplo, Facebook que virou verbo.

 

No caminho que me conduz de volta para a casa existencial que habito

percebo oscilações autogênicas, ora brandas, ora mais severas,

às vezes duram muito e às vezes pouco tempo:

E que bom que é sentir isso!

Pelo menos me dá a certeza de sou mais humana do que máquina;

prefiro chamar de deslocamentos autogênicos,

do contrário,

seriam falhas no sistema.

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