Como filosofias de vida que prometem te “elevar” podem te fazer “cair”?

Como filosofias de vida que prometem te “elevar” podem te fazer “cair”?

Pode ser que não tenham lhe contado que nem todos os ideais de vida sublimes, as mais belas ideologias ou filosofias para a vida quando seguidas podem fazer o contrário do que prometem em suas teorias. Isso porque cada um têm sua própria singularidade e o que pode ajudar um, pode prejudicar outro.

Existem filosofias ou ideais de vida que a partir do momento em que são trazidos para o mundo de certas pessoas, morrem na mesma hora, são ideais de vida que não tem como sobreviver no mesmo mundo que aquela pessoa vive. São vizinhos existenciais que destoam muito um do outro, pois não tem afinidades que sustentem tal convivência.

Para tornar mais simples o entendimento a respeito desse assunto, contarei uma história falando sobre os contrastes e tracionamentos de um casal que tentava seguir um estilo de vida “elevado” demais para o momento existencial deles, havendo muitos contrastes entre o ideal seguido e as situações vivenciadas por eles. Claro que será apenas um exemplo, e como exemplo, tem suas inúmeras limitações. Dessa forma, vale esclarecer que é um exemplo isolado e singular, que nunca representará a todos. Do contrário, há sim, muitos outros casos de pessoas que seguem lindas filosofias de vida condizentes com sua vizinhança existencial, historicidade e Estrutura de Pensamento, mas hoje não são dessas que falaremos, fica para uma outra ocasião…

Você já parou para pensar na diferença entre um animal e uma planta, caso tivesse que escolher entre um e outro para defender? Eticamente, qual mereceria o direito à vida segundo seus valores?

Discussões filosóficas como esta, às vezes podem levar a grandes dilemas éticos, principalmente nos dias de hoje, em que está cada vez mais se falando sobre direito dos animais, preservação ecológica, consumo consciente, etc.

Débora e Marcos são um casal que se preocupam com tais questões, eles frequentemente se veem em discussões sobre tais assuntos com seus amigos, parentes e colegas de trabalho. Eles defendem uma ideologia muito bonita em defesa dos animais, não consumindo nenhum tipo de produto que seja de origem animal, nem na alimentação, nem no vestuário. Eles se vestem com tecidos de algodão, mas já se questionaram se de fato era uma boa escolha, pois afinal, que diferença haveria nos floquinhos de algodão da planta algodoeira e nas lãs fofinhas cortadas das ovelhas? Será que tanto o algodoeiro quanto a ovelha, se pudessem falar, o que nos diriam sobre como se sentem ao ter partes de si arrancadas para a produção de tecido?

Débora e Marcos, por pensarem sobre como os animais e as plantas se sentiriam, e por tentarem respeitar da melhor maneira possível todas as espécies de seres vivos, se consideram mais “evoluídos” do que a maioria das pessoas com as quais convivem, que parecem não se importar com essas questões em relação à plantas e animais.

Desde que se tornaram adeptos a este estilo de filosofia de vida, eles acham que se tornaram pessoas melhores do que eram, em relação ao que Acham Sobre Si Mesmos (Tópico 2 da EP em Filosofia Clínica). Mas uma mudança isolada, talvez abrangendo um único tópico, pode não ter força suficiente para elevar todos os demais tópicos da Estrutura de Pensamento. Eles acreditam que por estarem seguindo uma nova filosofia de vida mais sublime do que antes, tiveram certa elevação autogênica, contudo, o que vai nos mostrar se de fato houve ou não uma mudança de patamar autogênico são os “vizinhos existenciais” da pessoa, a “Vizinhança” como um todo e não apenas uma filosofia ou ideologia que é professada.

Há pessoas que seguem ideais de vida tão elevados para o patamar existencial em que se encontram, que na verdade, estão causando grande comoção para suas vidas. É aí que algo que era para ser “bom”, acaba fazendo “mal” – sem saber e, normalmente, a pessoa não entende como sua vida “piorou” depois de ter inserido alguma coisa que era para ser “melhor” em sua vida.

É assim que Débora e Marcos estão se sentindo nos últimos dias, foi como se a linda filosofia de respeito aos animais e plantas, desde que entrou na vida dos dois, tivesse causado mais problemas do que paz, amor, respeito e tudo aquilo de bom que eles imaginavam que seria.

Marcos foi demitido do trabalho porque após uma discussão com um colega de trabalho acabou por agredi-lo; o motivo da briga foi por seu colega estar usando uma jaqueta de couro e Marcos não admitir trabalhar sentado ao lado de alguém usando roupa de origem animal. Marcos nunca foi agressivo e não entende como ficou tão furioso a ponto de machucar fisicamente seu colega. Marcos está com raiva por ter sido demitido do seu trabalho, mas acha que deu uma lição no seu colega e que ele aprendeu que não se deve usar tecidos de origem animal como o couro. O que ele não se deu conta, é que está tentando ensinar amor e respeito aos animais de uma maneira truculenta. Como ele acha que pode ensinar amor e respeito usando violência? Defender uma ideologia de respeito aos animais, sem saber se quer respeitar o colega de trabalho? Isso mostra algo sobre o nível autogênico de Marcos e as disparidades do que ele tenta seguir enquanto ideologia e da Vizinhança que o circunda.

Débora brigou com a sua irmã, a ponto de nunca mais querer falar com ela. Sua irmã fora sempre sua melhor amiga, a parceira para todas as horas. Hoje Débora diz que sua irmã morreu para ela, que nunca mais quer falar com ela. Está tomada de um sentimento de mágoa profunda. O motivo: a irmã a convidou para um churrasco de comemoração por ter sido aprovada em um concurso público que era um sonho antigo da irmã de Débora. A família de Débora não entende como funcionam esses novos princípios de vida seguidos por Débora, e não teve intenção de ofendê-la ao organizar o churrasco. Afinal, era assim que a família sempre viveu e não imaginavam que isso causaria um conflito familiar tão grande. Débora nunca teve paciência de lhes explicar sobre o seu novo estilo de vida e acha que todos deveriam “respeitá-la” por suas novas escolhas, mas ela costumeiramente têm desrespeitado a todos que não sabem como é a filosofia de vida que ela passou a seguir. Exigir que os outros lhe acompanhem em seus ideais de vida, impor que todos mudem porque você decidiu mudar, não parece ser uma atitude de alguém que se diz “ser mais evoluído” que os demais, não é?! Há um contraste muito grande entre a filosofia de respeito aos animais e vegetais que ela passou a seguir e o desrespeito as pessoas do convívio familiar de Débora. Essa forma de lidar com as pessoas que ela considera “piores” do que ela pelo simples fato comerem carne, por exemplo, revela de fato, qual a vizinhança existencial de Débora e onde ela se encontra em seu patamar autogênico.

Se ela realmente tivesse “evoluído” como acredita em relação ao que acha de si mesma, saberia lidar com carinho para com os velhos costumes que também tivera e que a sua família ainda possui. Traria os belos ideais de sua nova filosofia de vida e os aplicaria no respeito também às pessoas que têm filosofias diferentes da sua. Sabendo da importância da comemoração do grande sonho da sua irmã, poderia tê-la parabenizado ao invés de cortar relações para sempre. Não seria preciso que ela e Marcos comessem o tal churrasco, poderiam levar um prato que eles comessem, até como um ‘presente’ à festa de comemoração da irmã, ou qualquer outra maneira de agir, mas poderiam mostrar respeito e carinho aos hábitos da sua família e entender que são diferentes dos deles.

Débora e Marcos têm vivido grandes contrastes em suas vidas , dei apenas um exemplo de cada um para ilustrar. Existem muitas pessoas que na tentativa de elevação autogênica, ao se aproximarem de coisas mais elevadas do que o seu atual patamar existencial, acabam na verdade, descendo ainda mais o patamar em que se encontravam.

É preciso tomar cuidado com os “vizinhos” que elegemos para nossas vidas, inclusive os que parecem ser muito bons – a princípio; é necessário conhecer a Estrutura de Pensamento, a Historicidade, ou seja, o modo de funcionamento de cada um. Para alguns casos, até mesmo a elevação autogênica nem se quer é indicada, pelo contrário, às vezes, o recomendável é ficar no mesmo patamar, quando não, descer ainda um pouco o nível, para que esteja de acordo com aquela EP e sua trajetória existencial. O que fez muito bem para uma pessoa, pode fazer muito mal para outra. Cada um têm suas especificidades e, estas sim, precisam ser respeitadas. As mudanças gradativas costumam ser mais seguras, prudência sempre é bem-vinda como procedimento filosófico-clínico.

Por hoje, fiquemos com a reflexão de encontrar situações em nossas vidas nas quais talvez tenhamos agido a exemplo da história de Débora e Marcos. E nem precisa ser tão extremo como o exemplo deles, quantos professores você talvez já tenha visto dizendo “aos gritos” que os alunos não devem brigar entre si? Não seriam os gritos também uma forma de agressão? Qual a diferença? É possível ensinar a paz de um modo agressivo?

Sobre isso há uma obra do cinema que serve como exemplo. No filme Little miss Sunshine, dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris, há um sujeito que desenvolveu uma “Filosofia do Sucesso em 9 passos”, ele acredita que no mundo há dois tipos de pessoas: vencedores e perdedores. Toda vida deste personagem gira em torno disso. Por outro lado, todos os aspectos que circundam sua vida parecem destoar muito da tal teoria que ele professa; parece não combinar, de algum modo, como se a própria teoria que ele desenvolveu não pudesse se encaixar em sua própria vida. Vendo o filme os contrastes são nítidos e há uma bela metáfora em que eles precisam empurrar uma Kombi amarela, representando os tracionamentos na caminhada de vida. Nem sempre um ideal de vida muito grande é capaz de caber em uma existência muito pequena, às vezes, pode ser mais indicado ir alargando os horizontes aos poucos até que a vida se transforme pelas afinidades da própria caminhada.

 

DICA DE FILME:
Litle Miss Sunshine, dirigido por Jonathan Dayton.

Trailer:

Filosofia Clínica, sustentação autogênica, Terapia Filosófica
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